1. Introdução: Um Problema Frequente e Relevante no Direito de Família
No cotidiano das relações conjugais, é muito comum que um casal realize melhorias em imóveis — como reformas, ampliações ou mesmo construção sobre um terreno — sem se atentar à titularidade do bem. Quando o casamento termina, surge a dúvida: o cônjuge que investiu nesse imóvel tem algum direito, mesmo que ele não seja coproprietário?
Este artigo jurídico visa esclarecer esse impasse à luz do Código Civil brasileiro, da doutrina majoritária e da jurisprudência atualizada do STJ, especialmente quando há a realização de benfeitorias em imóvel exclusivo de um dos cônjuges.
2. Regime de Bens: A Chave para Entender o Patrimônio Conjugal
📌 Qual é o regime de bens mais comum?
Conforme o art. 1.640 do Código Civil, na ausência de pacto antenupcial, o casamento é regido pela comunhão parcial de bens. Nesse regime, apenas os bens adquiridos onerosamente durante o casamento são considerados comuns ao casal.
📘 Artigos principais:
- Art. 1.658: bens adquiridos durante o casamento se comunicam;
- Art. 1.659, I: exclui da comunhão os bens adquiridos antes do casamento, por doação ou herança;
- Art. 884: proíbe o enriquecimento sem causa.
Portanto, um imóvel herdado ou comprado antes do casamento permanece sendo bem exclusivo do cônjuge que o detinha, ainda que o outro tenha contribuído com melhorias.
3. Benfeitorias em Bem Exclusivo: O Direito à Indenização
🧩 O que são benfeitorias?
No Direito Civil, elas se classificam em:
- Necessárias: indispensáveis para a conservação do bem (ex: conserto de telhado);
- Úteis: aumentam o uso ou facilitam a vida no imóvel (ex: instalação de aquecedor solar);
- Voluptuárias: visam conforto ou luxo (ex: piscina, jardim ornamental).
Mesmo que o imóvel seja de propriedade exclusiva, o cônjuge que investe no local pode ter direito a indenização proporcional ao valor investido ou ao acréscimo patrimonial gerado.
4. Doutrina: Interpretações Fundamentadas
Juristas renomados sustentam o direito à indenização quando há colaboração patrimonial de um cônjuge sobre bem particular do outro.
Exemplos doutrinários:
- Flávio Tartuce: “o bem em si não se comunica, mas o acréscimo patrimonial gerado pelo esforço conjunto pode gerar efeitos indenizatórios.”
- Pablo Stolze Gagliano: destaca a importância da prova do esforço comum, mesmo que em imóvel não partilhável.
Este entendimento busca equilibrar a justiça patrimonial e evitar o enriquecimento ilícito de um cônjuge em detrimento do outro.
5. Jurisprudência: Como o STJ Vem Decidindo
Em 2024, o STJ reafirmou que mesmo que o imóvel seja de titularidade exclusiva, a valorização decorrente de benfeitorias feitas com esforço comum pode sim gerar direito à compensação financeira na separação (fonte STJ).
6. Prova e Meios de Defesa no Processo de Partilha
Como comprovar o investimento?
Para garantir o direito à indenização, o cônjuge deve apresentar provas robustas. Alguns documentos úteis incluem:
- Notas fiscais de materiais;
- Comprovantes de pagamento de mão de obra;
- Transferências bancárias;
- Fotografias antes e depois da obra;
- Declarações de testemunhas;
- Perícias técnicas que indiquem valorização.
Dica estratégica:
Incluir cláusulas de reconhecimento ou reembolso em contratos privados ou recibos pode ser uma forma preventiva de documentar o investimento.
7. Casos Práticos: Situações Comuns
💼 Caso 1 – Reforma com recursos do casal
Se o casal reforma uma casa herdada por um dos cônjuges utilizando recursos comuns (salário de ambos), há clara valorização do bem exclusivo com esforço conjunto. Isso fundamenta o pedido de indenização proporcional ao investimento.
💼 Caso 2 – Construção em terreno do cônjuge
Mesmo que o terreno seja particular, a edificação construída com recursos comuns pode ser objeto de partilha ou indenização, desde que comprovado o custo e a colaboração.
8. Conclusão: Justiça Patrimonial na Dissolução Conjugal
Embora a titularidade de um imóvel continue com o cônjuge proprietário, a colaboração efetiva do outro cônjuge nas benfeitorias ou construção pode gerar direito à indenização.
A solução jurídica mais justa é aquela que evita o enriquecimento sem causa, valoriza o esforço comum e respeita o regime de bens adotado no casamento.